Se você nunca ouviu falar de Brașov, certamente não está sozinho. Nós também não sabíamos nada sobre ela até pouco tempo atrás. Espremida pelos Cárpatos, a cidade é a primeira parada de quem vai à lendária Transilvânia para conhecer o Castelo do Conde Drácula, que fica a 28 km. Por isso muitos viajantes a escolhem como base.
Eu li que todas as superstições do mundo concentram-se aos pés dos Cárpatos, como se ali fosse o centro de um turbilhão imaginativo; se for assim minha estada poderá ser muito interessante” (Drácula, Bram Stoker – 1897)
A Chegada
Assim como o personagem Jonathan Harker se viu atraído pela Transilvânia, também nós não víamos a hora de desembarcar por lá! Entretanto, diferente dele, que já abre o livro reclamando dos horários dos trens, o nosso foi super pontual! Chegamos a Brașov as 12:40, vindos de Bucareste, com a CFR Calatori (a companhia ferroviária romena).
A Gara Brașov (a estação de trem) é moderna, mas fica um pouquinho longe do centro da cidade, assim há um ônibus para lá. Ele para bem em frente à estação e é possível comprar o bilhete numa ATM praticamente ao lado dos pontos de ônibus.
Compramos o nosso rapidinho, atravessamos uma canaleta e entramos imediatamente no ônibus nº 4, pois ele já estava no ponto. A linha 4 vai da Gara Brașov até a Livada Poștei (parada dos ônibus na cidade velha), os horários estão no site. Dali andamos pouco mais de uma quadra e já estávamos no miolo do centro histórico.
Dica: A passagem custa 5 lei e o bilhete serve para a ida e para a volta, portanto não se desfaça dele! (O LEU romeno estava cerca de 0,96 centavos de real quando fomos.)
Hospedagem
Ficamos no JugendStube Hostel que fica na Strada Michael Weiss, 13. Ele é um hostel de valor médio (pagamos 394,07 lei por duas noites) e muito bem localizado, a poucos metros da Piaţa Sfatului (Praça do Conselho). Reservamos pelo Booking.com e deu tudo certo. O check-in era a partir das 13:00 e quando chegamos o quarto estava pronto e já pudemos entrar. Ele ficava no segundo andar, separado do prédio principal do hostel, o que de certa forma foi bom porque era bem silencioso. Além de banheiro privativo, o café da manhã estava incluído (café, leite, pão, manteiga geleia, nutella e cereais). A recepção é 24 horas e muito eficiente. Após o check-in e um bom banho, já com um mapinha da cidade na mão e a indicação dos principais lugares de interesse, fomos procurar o quê? COMIDA!
La Ceaun
Fomos ao La Ceaun na Piața Sfatului por recomendação do Jugendstube. Ele é rodeado de edifícios barrocos coloridos e tem mesas para fora. Um lugar muito gostoso, mas estava lotado e não tinham mesas. Mas nos disseram que havia outro La Ceaun, praticamente ao lado do nosso hostel. Realmente, passamos batido por ele e nem vimos! Foi uma ótima pedida, pois estávamos com uma fome de anteontem (não havíamos tomado café da manhã em Bucareste para não perder o trem) e lá encontramos a deliciosa comida típica romena, que, diferente das lendas, não é cheia de alho!
Pedimos o Gulaș de Vita (o tradicional goulash com carne, cebola, cenoura, aipo, pimentões e batata), por 25 lei e a Ciorbã de Fasole cu Ciolan in Paine (sopa de carne e feijão branco com verduras servida no pão) por 18 lei e, para sobremesa, o famoso Papanaşi (um sonho enorme, sem recheio, mas com cobertura de creme e geleia de frutas vermelhas), também por 18 lei. Já tínhamos lido sobre o tamanho do negócio e pedimos só um (acreditem, é o suficiente). Tomamos ainda duas taças de cidra (12 lei cada) e saímos de lá redondos!
Quando a noite cai
Depois desse super almojanta, já escurecendo, fomos dar um rolezinho pela cidade, tranquilamente. Brașov à noite é muito gostosa e as ruelas de paralelepípedos e pouco iluminadas ajudam a gente entrar no clima da Transilvânia.
Brașov Walkabout Free Tour
Além da proximidade com o Castelo de Bran, a cidade medieval ainda conta com muralhas e baluartes, a gótica Igreja Negra e cafés e restaurantes animados. Para explorá-la fizemos o Brașov Walkabout Free Tour com o guia Alim, um rapaz muito entusiasmado e que falava um ótimo inglês. O tour começa na Piaţa Sfatului (a praça principal), ao lado da fonte, e é fácil identificar os guias, pois usam camiseta laranja. Brașov tem uma rica história que remonta à idade média e passear por ela a pé é uma ótima maneira de conhecer um pouco de suas lendas, além de ver os principais pontos de interesse. O passeio durou cerca de 1h20 e nos ajudou também a nos localizar melhor para depois, com calma, percorrer o labirinto de ruelas da cidade por conta própria.
Piaţa Sfatului & Strada Republicii
A Piaţa Sfatului, também chamada Praça do Conselho, é a principal da cidade e onde ficava a antiga Câmara Municipal de Brașov, hoje o museu municipal de história (Muzeul Județean de Istorie din Brașov). Há também uma fonte e a praça é rodeada por um lindo casario.
A rua mais icônica e mais animada é a Strada Republicii que vai da Piaţa Sfatului até a Piaţa Eroilor. No verão, que é quando fomos, ela vira um grande calçadão semi-coberto. E é até difícil descobrir que toldo ou que cadeiras pertencem a que restaurante ou bar. Abarrotada de pedestres a Republicii é rodeada de casas de três a quadro andares, muitas medievais, mas reformadas e recuperadas através dos tempos e hoje exibindo uma fachada barroca ou renascentista. A única maneira de conseguir uma foto dela sem mil cabeças na sua frente é saindo bem cedinho!
Contos de Fadas
A aura de conto de fadas da cidade vai além da arquitetura medieval. Em 1816 a cidade aparece no conto dos Irmãos Grimm, O Flautista Mágico. A lenda germânica diz que em 1284 a cidade de Hamelin, na Alemanha, está sofrendo com uma epidemia de ratos e o prefeito contrata um homem que se diz “caçador de ratos” para resolver o problema. Ele então começa a tocar sua flauta e os ratos todos, hipnotizados, o seguem até o rio Wesser, onde morrem afogados. Quando volta para receber pelo trabalho, além de não ser pago, o flautista é humilhado pela população, que não acredita em seu feito, alegando não terem recebido as cabeças dos bichos. O flautista então jura vingança e, semanas depois, no dia de São Pedro e São Paulo, quando todos estão na igreja, ele retorna e começa a tocar sua flauta. Todas as 130 crianças da cidade, enfeitiçadas, imediatamente o seguem e ele as leva até uma caverna escondida e as tranca lá. Os moradores de Hamelin jamais as encontram e a cidade torna-se um lugar triste e desolador. Entretanto, no conto dos Grimm, o final é mais feliz! Para fugir da caverna as crianças cavam um longo túnel e emergem vivas, em meio a Piaţa Sfatului, em Brașov, onde passam a viver.
Curiosidade: o conto tem lá suas raízes históricas, pois Brașov foi fundada em 1211 por cavaleiros teutônicos (germânicos) e depois povoada por saxões (também germânicos).
Igreja Negra
A Biserica Neagră, de culto luterano, é a maior igreja gótica da Romênia (tem mais de 65 metros de altura). Sua construção começou em 1383, mas foi concluída quase um século depois, em 1477. Ela tem esse nome devido ao estado enegrecido em que a catedral ficou depois do chamado Grande Fogo, um incêndio de grandes proporções que dizimou boa parte da cidade em 1689. Hoje em dia, apesar de não ser mais negra, continua sendo uma das construções mais importantes e imponentes da cidade. O interior é austero, mas o órgão alemão do século 19 é um show à parte. Ela fica em um dos cantos da Piaţa Sfatului , na rua Johannes Hontetus, e é um dos cartões postais de Brașov.
No pátio da igreja fica a estátua em homenagem a Johannes Honterus, o teólogo e humanista romeno. Ele estudou na Universidade de Viena e foi o responsável pela reforma protestante na Transilvânia, além de fundar a escola e a biblioteca municipal que levam seu nome. Honterus nasceu em 1498 e faleceu em 23 de janeiro de 1549, em Brașov.
A Cidade Murada
As antigas muralhas de pedra, com cerca de 12 m de altura, 2 de largura e 3 km de extensão, foram construídas principalmente entre o final do século XIV, mas desde pelo menos o século XIII já havia fortificações, em fossos, aterros e paliçadas de madeira para proteger a cidade das frequentes invasões dos turcos otomanos, que em 1241 destruíram os mosteiros de São Lourenço e de Santa Catarina. A cidade chegou a contar com sete bastiões e cada um deles ficava a cargo de uma corporação de ofício.
Poarta Ecaterinei
O Portão de Katharina (Poarta Ecaterenei, em romeno) faz parte dessa fortificação. Ele foi construído em 1559 pela corporação de ofícios dos alfaiates para substituir o antigo portão que havia sido destruído pelas enchentes. O nome vem do Convento de Santa Catarina que havia ali. Ele é o único portão original do período medieval que sobreviveu ao tempo. Um fato interessante é que durante o reinado dos saxões (entre os séculos 13 e 17), não era permitido aos romenos possuir terras dentro das muralhas e eles podiam entrar na cidade apenas em determinadas momentos. Na entrada eles precisavam pagar um pedágio pelo privilégio de vender suas mercadorias dentro da cidadela. Os quatro mastros do portão simbolizam a autonomia judicial da cidade, em particular, o “direito da espada”, que era o direito de realizar execuções. Acima da entrada está o escudo de armas de Brașov, que traz uma coroa sobre o tronco de um carvalho e suas raízes. Esse mesmo escudo nós veríamos depois no Castelo de Bran.
Brașov é mencionada em 1235 com o nome de Corona, que significa “coroa”, dado por colonos germânicos. O nome alemão Kronstadt significa “Cidade da Coroa” e também era utilizado durante a idade média.
A lenda de Katharina
Era dezembro de 1455 num frio inverno, véspera do Natal e Katharina Siegel, a filha de um tecelão de Braşov, puxava pela neve grossa um pesado trenó carregado com mantimentos para os soldados da citadela, que vivia sob a ameaça da invasão otomana. Enquanto passava pela cidade, o nobre Vlad Țepeș III (ele mesmo, o Conde Drácula!) ajuda Katharina com o trenó e se apaixona por ela. Ele então a corteja e lhe dá presentes, sedas e rendas de Veneza e vestidos luxuosos, atraindo a inveja e as más línguas. Ela o amava e acreditava que se casaria com ele, mas Vlad já era casado com Anastasia Holszanska da Bulgária e o Papa Pio II não lhe concedeu a anulação. Mesmo assim, a bela Katharina deu a Țepeș cinco filhos e os sinais dos mais de 20 anos de amor que viveram ainda permanecem nas misteriosas ruas de Braşov.
Ao lado do Ecaterinei fica o Portão de Şchei, construído entre 1827 e 28 para dar conta do tráfego. Ele tem o formato de um arco do triunfo e é muito interessante que a cidade ainda use esses portões, mesmo não sendo mais murada.
Strada Sforii
Outra rua famosa na cidade é a Strada Sforii, a “Rua da Corda”, pois ali ficava a corporação de ofícios dos cordoeiros. Ela liga a Strada Poarta Şchei e a Strada Cerbului e é mencionada pela primeira vez em documentos do século XVII. A ruela tem entre 111 e 135 cm de largura e 80 metros de comprimento e, assim como a rua mais estreita de Praga, originalmente era apenas um corredor para uso dos bombeiros, que após o grande incêndio, perceberam como era impossível conter o fogo com fileiras de casas literalmente grudadas umas às outras. Em frente à entrada, na Strada Cerbului, fica a inusitada estátua de uma mulher feita de corda e também o Rope Street Museum, onde paramos com o Alim, nosso guia do Free Walking Tour. Além de ser um lugar muito legal, o pequeno museu também serve café e há doces e souvenirs. Foi lá que conhecemos o Ionut, nosso guia nas visitas aos Castelos de Bran e Peleș.
Pizza Roma
Nosso jantar no segundo dia em Braşov foi na Pizza Roma, na Piața Sfatului, 6. O lugar é muito bonito por dentro e bem decorado com réplicas de pinturas de Da Vinci, embora pequeno. Tomamos duas sopas de creme de brócolis, uma taça de vinho da casa, uma limonada e comemos uma pizza veneziana (com presunto, pimentões, azeitonas e champignon). A sopa estava bem gostosa e a pizza também estava boa. O atendimento foi eficiente e os garçons entendiam inglês e eram solícitos. Tudo saiu por 84 lei.
Kafe Pub
Mais uma voltinha pela cidade e paramos no Kafe Pub, que fica na Strada Poarta Şchei, para um café. O lugar é muito legal e tem uma decoração muito descolada. Pedimos dois cafés gelados, bem gostosos e ficamos ali curtindo nossa última noite na cidade. O único inconveniente do local é não aceitar cartões de crédito, mas não é caro.
No dia seguinte fomos para Bran para ver o Castelo do Drácula e aproveitamos para também ir a cidade de Sinaia e ver outro lindo castelo, o de Peleș.
Contamos essa história nos próximos posts!
Veja também:
Castelo de Bran e a lenda de Drácula