Quando, nos anos 90, eu assistia na TV as terríveis notícias sobre a Guerra Civil Iugoslava, o cerco de Sarajevo e o genocídio étnico, jamais imaginei visitar a Bósnia um dia. Eu ouvia repetidamente os Cranberries (uma das minhas bandas favoritas) cantando Bosnia e o U2 e o Pavarotti cantando Miss Sarajevo, via os videoclipes e me sensibilizava com a situação daquele povo. Tudo parecia tão distante… Mas nem só de histórias tristes vive esse país. A Bósnia é um lugar incrível e a primeira pergunta que me faço é “Por que eu não vim pra cá antes?”
“O mundo é grande, com culturas diversas. Ouvir sobre elas é muito diferente de vê-las em ação e, mesmo por pouco tempo, participar delas. O mais interessante é que quando isso acontece, mais do que entender a outra, você passa a questionar a sua.” (do site 1000destinos)
Como chegar
Fomos a Sarajevo a partir de Belgrado, na Sérvia (com o Air Serbia JU112 – não há voos diretos do Brasil). O Aeroporto Internacional de Sarajevo fica a poucos quilômetros do centro da cidade. Sendo nossa primeira vez ali, não sabíamos como seria o transporte local e reservamos o nosso transfer previamente com o hostel. Entretanto, você pode economizar e tomar o ônibus nº 36 no Aeroporto (a passagem custa BAM 1,60 na banquinha ou BAM 1,80, se pagar diretamente para o motorista). As bancas de jornal e revista vendem os bilhetes de ônibus e tram e geralmente ficam nas paradas de cada um.
Você pode ainda pegar um táxi, a corrida do aeroporto até a Catedral, por exemplo, sai em torno de BAM 15,00. Andar de táxi em Sarajevo é bem tranquilo. São seguros e uma forma bem conveniente de visitar as atrações turísticas mais distantes – como as montanhas que rodeiam a cidade. A bandeirada custa BAM 1,50 mais cerca de BAM 1,60 por km.
E a grana?
Nossa dica é evitar as casas de câmbio e ir a uma agência bancária e trocar seus euros diretamente no caixa. Não são cobradas taxas e o câmbio é praticamente o mesmo que na rua. Fomos no Raiffesen Bank (agência Stari Grad – próxima à Catedral) e também no Ziraat Bank (rua Sarači, 45). Um BAM (marco bósnio) equivale a R$2,35 (set/2019).
Sarajevo
A capital da Bósnia e Herzegovina tem pouco menos de 400 mil habitantes e foi fundada em 1461 pelos otomanos (turcos). Ela tornou-se uma das cidades mais importantes e prósperas dos balcãs devido à localização geográfica (um pé no ocidente e outro no oriente). E por reunir povos de quatro religiões diferentes (católica, ortodoxa, islâmica e judaica), a pequena Sarajevo ficou conhecida como a “Jerusalém da Europa”. Ela foi anexada ao império austro-húngaro em 1878, mas o povo nunca gostou muito dessa história, o que fez da cidade o palco de um dos eventos mais importantes do século XX. (Contamos esse episódio logo mais!)
Onde ficar em SarajevoComo as principais atrações estão concentradas no centro, ali é o melhor lugar para ficar e o Hostel Franz Ferdinand tem uma localização privilegiada, pois está na Jelića, a rua ao lado da Catedral, e a poucos passos da fronteira que divide o lado ocidental do oriental. Foi lá que nos hospedamos! Trata-se de um grande edifício neoclássico, reformado e com vários apartamentos. Ficamos no quarto Verdun, que tinha banheiro privativo. Pagamos € 137,46 por 3 noites e gostamos muito. A cozinha era bem equipada e pela manhã havia pão e ovos e geleia, além de café.
O pessoal da recepção era muito simpático e falavam um inglês bem bom. Eles nos deram um mapa da cidade e também nos ajudaram a organizar um passeio até a Torre Branca. Percebemos que havíamos feito uma boa escolha quando conversamos com outros hóspedes, três alemães, duas polonesas, um australiano e um turco. Eles nos disseram que aquele havia sido o melhor hostel que já tinham ficado nos balcãs. Enfim, gostamos muito e certamente ficaremos lá de novo da próxima vez! (2020, tem mais!)Baščaršija
Saindo do Franz Ferdinand já demos de cara com a Ferhadija, a rua principal do centro. Uma inscrição no meio do calçamento (a rua é só para pedestres) simboliza o encontro de culturas e marca a divisão entre o lado oriental e o ocidental da cidade.
E foi justamente no bairro oriental e mais antigo (Baščaršija) que a gente se perdeu – num bom sentido! Caminhar pelas ruas paralelas ao rio Miljack, a Ferhadija e a Zelenih Beretki, e pelas as ruelas estreitas que as cruzam era nosso programa favorito – nosso e das centenas de turistas que perambulam por ali durante o dia e também à noite.Curiosidade: Baščaršija é uma palavra de origem turca que significa “mercado principal” (pronuncia-se BARS CHÁR JIA).
Essa parte mais velha da cidade é fechada para carros, o que é muito legal pois pode-se caminhar tranquilamente pelas muitas lojas e bazares antigos e olhar a oficinas de artesanato com suas lindas peças de cobre… para passar horas admirando mesmo que não se compre nada!
A rua Kazandžiluk (rua dos artesãos de cobre) é a mais tradicional e a mais linda de Baščaršija. Andar por ela nos transporta diretamente ao século XVI e ao império otomano. Cada peça é um trabalho minucioso e único.
São bandejas, jarras, moedores e conjuntos para café, adagas, narguilés e até canetas feitas com balas de fuzis! Tem de tudo!
Fonte de SebiljA Fonte de Sebilj, no centro da Praça Bašcaršija, é uma fonte de madeira construída em estilo otomano em 1753 para fornecer água gratuitamente aos viajantes que passavam pela cidade. Ela foi reconstruída diversas vezes e sua posição original foi levemente alterada (a atual está um pouco acima de onde a primeira foi instalada). Três réplicas da fonte foram feitas e doadas pela cidade de Sarajevo. Duas delas foram (ironicamente) para a Sérvia, uma para Belgrado, em 1989, e outra para a cidade de Novi Pazar. Já a terceira foi para Saint Louis, nos EUA, em comemoração ao aniversário de 250 anos da cidade. A fonte de Sebilj é, até hoje, um dos principais símbolos de Sarajevo.
Dica: cuidado com os pombos que dominam a Praça Baščaršija. São tantos que ela passou a ser conhecida como a Praça dos Pombos. Embora a fonte seja coberta, deixe para encher sua garrafinha na fonte da Mesquita Gazi Husrev-beg!
Os bósnios dizem que “quem quer que beba água das fontes de Baščaršija uma vez irá constantemente voltar a Sarajevo” – Nós bebemos, então… Inshallah !
Quando cansar do burburinho procure um bom restaurante de comida típica. Baščaršija é para onde todos vão para comer – até mesmo quem se hospeda no lado ocidental. Lá você pode provar o čevapi — uma espécie de salsicha de carne moída de gado ou de carneiro, temperada com cebola e alho, servida com pão sírio. Mas o que mais gostamos mesmo foi o burek – um folhado salgado de massa finíssima que pode ser recheado de carne ou queijo. Ele é servido com coalhada fresca e no calor de setembro foi a nossa melhor pedida para o almoço. Além de tudo, o burek é muito baratinho!
Buregdzinicas
As buregdzinicas são as lanchonetes especializadas em burek. Recomendamos a Buregdzinica Bosna, na rua Bravadžiluk nº 11. O lugar é concorrido e está sempre cheio, pois o burek deles é muito gostoso e fresquinho! Comemos meia porção de burek de carne cada um (3 rolinhos – em uma porção vem 6) e dois refris e tudo saiu por 11 BAM.
Moricá Han Caravansarai
Para comer uma deliciosa comida bósnia em um ambiente histórico, mas bem tranquilo, nossa sugestão é o restaurante Moricá Han, que fica entre a fonte de Sebilj e a Mesquita Gazi Husrev-beg, na rua Sarači nº 77, em um pátio interno, longe do burburinho. É um lugar fresco, amplo e agradável e o espaço se divide entre o restaurante, o café e ainda um bazar. O edifício, construído em 1551 como um han (uma hospedaria de viajantes) é o único sobrevivente (inteiro) dos vários caravansarai (alojamento para caravanas) construídos durante o mandato do regente Gazi Husrev. Antigamente era feito de madeira e estuque e, mesmo tendo passado por vários incêndios, era sempre reconstruído. No seu auge o complexo podia abrigar até 300 hóspedes e 60 cavalos!
Sarajevo foi regida pelo beg (governador da província no império otomano) Gazi Husrev, de 1521 a 1541. Embora não tenha sido um governo contínuo, ele foi responsável por uma série de construções e melhorias na cidade que permanecem até hoje e constituem as grandes atrações da cidade. Além das hospedarias de viajantes como o Moricá Han (que mencionamos acima) e o TališHan, ele também mandou construir a Mesquita de Gazi Husrev Beg, o Bezistan (mercado coberto), uma Imaret (cozinha pública) e escolas – edifício onde hoje fica o Museu Islâmico. Todo o complexo fazia pare do Mahala (bairro) Gazi Husrev-Beg.
TališHan (1543)
Em 1878 foram registrados 50 caravansarais e hans em Sarajevo. Um dos mais antigos é o TališHan, na rua Zelenih Beretki Bb. Hoje só existem as ruínas, mas mesmo assim são impressionantes. A estrutura retangular de pedra, com um pátio no meio, mostra o quão imponente era o edifício erguido ali em 1543. TališHan significa han (hospedaria) feita de pedra e essa, construída por artesãos vindos de Dubrovnik , foi a maior e mais representativa da região.
Bezistan – Shopping do séc. XVI
E por falar em negociar… logo depois de construir o TališHan, Gazi Husrev-beg mandou erguer ao seu lado o primeiro “shopping” de Sarajevo – o Bezistan (mercado coberto). Ele fica na esquina da rua Ferhadija com a Gazi Husrev-Begova, ainda está inteiro e é usado até hoje! É bem interessante o fato de ele ficar abaixo do nível da rua (pois antigamente o pavimento era naquela altura). Tem muitas lojas, mas as mercadorias não são muito diferentes do que se vê no comércio de rua. São lembrancinhas, ímãs de geladeira, lenços, bijuterias, bolsas, acessórios e artigos em cobre.


Mesquita Gazi Husrev-Beg
A Mesquita de Gazi Husrev-Beg é a mais importante da cidade pois foi mandada construir por ele e lá estão seus restos mortais. Pode-se visitar o pátio interno, e, fora do horário das orações, a parte interna. Há também uma grande fonte na entrada, além de uma bica de água fresca no muro do lado de fora (onde parávamos sempre para encher nossas garrafinhas e aplacar o calor).
Água boa, potável, fresquinha nas bicas pra matar a sede de todo mundo… homens, mulheres, crianças, muçulmanos, ortodoxos, católicos, judeus… locais, turistas ou mochileiros. Sarajevo mata nossa sede de água e de cultura!
Ao lado da mesquita fica a Sahat Kula – a Torre do Relógio, do século XVII. Ela sofreu dois incêndios, mas foi totalmente restaurada e continua sendo uma das construções mais altas da Bósnia e é visível de qualquer ponto da cidade.

Curiosidade: o relógio (de 1875) é o único relógio público do mundo que ainda utiliza o horário lunar. Por isso temos a impressão de que está sempre errado. Ele é calibrado a cada 3 dias, manualmente, e esse sistema é usado para ajudar os muçulmanos a saberem o horário de suas orações.
Gazi Husrev-beg Madrasah – de 1537Atravessando a rua, onde funcionavam as escolas primária e secundária (maktab e madrasah), há um museu contando toda a história do governador e da mesquita e uma biblioteca, que permanece ativa. A madrasah de Gazi Husrev (de 1537) é a mais antiga da Bósnia Herzegovina. Durante o cerco de Sarajevo ela teve seu acervo espalhado e escondido em diferentes locais da cidade, o que garantiu que os livros e manuscritos fossem salvos. Quinhentos dos manuscritos mais valiosos foram depositados na caixa-forte do Banco Privredna, onde ficaram até o fim da guerra.
Inaugurada em 1896, à beira do rio Miljack, a Vijecnica (prefeitura) tornou-se também a biblioteca nacional da Bósnia em 1949 e continha cerca de 2 milhões de livros e manuscritos históricos quando foi pesadamente atacada por bombas durante o cerco à cidade, na noite de 25 para 26 de agosto de 1992. O prédio ficou bastante destruído mas com a ajuda da União Europeia foi restaurado exatamente como o original e reinaugurado em 2014. Atualmente o edifício em estilo mourisco, com seus arcos e fachada listrada em amarelo e marrom, é um símbolo da reconstrução de Sarajevo.
Franz Ferdinand não é só o nome de uma banda de rock escocesa. Ele foi um arquiduque austro-húngaro assassinado em Sarajevo em 1914 e isso foi o estopim para o início da 1a Guerra Mundial. Quer saber como isso aconteceu? Assista o filme!
Sarajevo , 28 de junho de 1914. A Bósnia havia sido recém anexada ao império Austro-Húngaro. A insatisfação era geral. O Arquiduque Franz Ferdinand (herdeiro do trono) visita cidade. Ao passear de carro pelo centro velho com sua esposa, Sophie (grávida de gêmeos), são vítimas de um atentado à bomba, mas não se ferem. Abrigam-se na Vijecnica, mas minutos depois resolvem seguir em carro aberto para o hospital para onde um ferido foi levado. São alvejados no caminho e morrem. Esse é o pontapé inicial para a 1a Guerra Mundial. As perguntas são: quem está por trás dos dois jovens estudantes sérvios, de apenas 19 anos, responsáveis pelos atentados? Por que a rota do arquiduque foi publicada em todos os jornais? Por que, curiosamente, os oficiais austríacos não se opõem e os deixam ir até o outro lado da cidade, protegidos por poucos policiais ao longo de todo percurso? Por que, mesmo sendo um feriado importante no país – Dia de São Vito – todos os militares permaneceram nos quartéis e a guarda local não foi convocada para a segurança? Quem lucraria com a guerra? O oficial Leo Pfeifer é incumbido das investigações, mas logo percebe que está sendo apenas usado como um peão em um jogo de xadrez muito bem arquitetado. (Filme de 1997. Tem na Netflix!)
A ponte foi construída durante o império otomano, sobre o rio Mijacka, e é a mais antiga e importante da cidade. Foi imediatamente após cruzar esta ponte que Franz Ferdinand foi alvejado por Gavrilo Princip que, durante muito tempo foi considerado um herói na Bósnia, tanto que a ponte levou seu nome alguns anos! Hoje ela é conhecida como Ponte Latina (por ter arquitetura romana clássica, com 3 arcos) e é um dos lugares mais visitados da cidade. Há um museu no edifício da esquina onde o arquiduque foi morto e uma placa na parede indica o local exato.
Guloseimas!
Uma das delícias dos balcãs são as baklavas – que já conhecíamos de nossa viagem à Grécia. Elas são doces folhados banhados em mel e em Sarajevo os encontramos de todos os tipos! No Baklava Shop (Ćurčiluk veliki, 56) tinha baklavas com vários recheios diferentes: nozes, amêndoas, pistache, chocolate, nutella… A loja é uma perdição! Dá vontade de lamber a vitrine! Mas nos seguramos e compramos apenas uma embalagem com 4! Cada doce custa entre 2 e 3 BAM (conforme o sabor).
Tem ainda o knedle – que é um bolinho cozido recheado, muito popular na Áustria, na Alemanha e no Leste Europeu. Experimentamos no Kaiser Knedle (Bravadžiluk, 26). O lugar é bem bonitinho e há mesas internas para sentar, tomar um café ou chá, enquanto se come o bolinho. Pedimos um knedle de ferrero rocher, um crunch (crocante) e dois cafés macchiato. Tudo saiu por 11,80 BAM. Mais comida!Mais um lugarzinho que gostamos foi a Pekarna (padaria) Mlinar (Maršala Tita, 60) que já conhecíamos de Ljubliana e de Dubrovnik . Há vários tipos de croissants doces e salgados, além de donuts e outras delícias. Era lá que comprávamos os saborosos rolinhos de canela para comer no café da manhã, por apenas 1,50 BAM cada um.
Para um PF bósnio ou para comer uma boa salada com queijo (a preço amigável) você pode ir ao Staklo (Bravadžiluk, 5). Ele é um restaurante tradicional, mas é bom para turistas porque também tem massas, além de pratos com carne e batatas. O cardápio com fotos fica em um grande cartaz na entrada, o que nos ajuda a escolher. O atendimento é lento, mas não tínhamos pressa. Já para uma pizza baratinha, saborosa e fresquinha, vá na Merak (Ferhadija, 35)! Pode-se comprar pizzas inteiras ou fatiadas. Comemos duas fatias e duas coca-colas por apenas 8,00 BAM! VišegardAinda em Baščaršija, fomos a uma taberna de comida típica bósnia chamada Višegrad (rua Halači, 14) e adoramos! Um ambiente muito tradicional, em que os garçons atendem muito bem os clientes, mesmo quase sem entender inglês! (Suspeitamos que inclusive eram os próprios donos do local). Um casarão com o interior pintado de ocre, objetos de cobre e em uma das paredes uma grande gravura do Ditador Iugoslavo Tito nos dizem que ali o tempo parou. A comida estava ótima (provamos o Bosanski Lonac – ensopado bósnio) e raspamos os pratos! Recomendado para pessoas famintas e cansadas…
E para finalizar, provamos a rakija (aguardente de ameixa, que também pode ser feita com damascos ou figos). Beba com moderação, pois o teor alcólico da rakija é de 40 a 50%! Zdravlja! (Saúde!)
Quando chegar a um restaurante você pode dizer Zdravo (Olá), ou ainda Dobro jutro (Bom dia – sendo que o”j” tem som de”i”). Em seguida diga Ne govorim bosanski (Não falo bósnio) e Govorite li engliski? (Fala inglês?). Para dizer sim você deve dizer Da (como em russo) e para dizer não, diga Ne. Não esqueça de agradecer com Hvala (Obrigado – o “h” é aspirado como em inglês) e despedir-se com Ćao (Tchau – sendo que esse “c” com acento tem som de “ch”) ou ainda Doviđenja (Adeus).
E no próximo post continuamos o passeio por Sarajevo, agora por seu lado ocidental e fazemos também o tour guiado pelos locais relacionados ao cerco à cidade durante a guerra.
Confira Sarajevo e a Guerra Civil Iugoslava.
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