Versailles

Não é verdade. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. (José Saramago)

Hoje é o dia mundial do turismo e, já que mochilar está fora de cogitação com a pandemia, o que mais podemos fazer senão viajar na memória? Nada melhor que ver filmes e séries sobre lugares que a gente já visitou, não é? E foi justamente assistindo a série Versailles que bateu uma nostalgia e a vontade de escrever sobre o que vimos e aprendemos lá.

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Fomos à França três vezes e em duas das viagens visitamos Versailles. Da primeira fomos sozinhos e passamos um dia inteiro por lá, percorrendo tudo de cabo à rabo. Já da segunda vez, com a família, o passeio foi um pouco mais rápido, mas não menos impactante.

RER Ligne C

Fomos de trem. Não é caro e há uma opção mais simples e rápida, a RER, e outra da SNCF, com uma atmosfera mais tradicional. Da primeira vez fomos até a estação da Torre Eiffel (Champs de Mars) e de lá pegamos o RER linha C (direção Versailles-rive-gauche-château).  É importante entender que Versailles é uma pequena cidade, não é somente o Palácio, portanto o trem para na estação Versailles-Chantiers (4, rue de l’Abbé Rousseau) e a gente precisa caminhar alguns minutos até chegar lá (cerca de 3 quadras).  Da segunda vez resolvemos pegar a linha 3 do metrô na Ópera para ir até a estação de Saint-Lazare (no 8º arrondissement) e de lá pegar o trem da SNCF em direção à Versailles-rive-droite.

Um pouco de história

O rei Luís XIV foi o responsável por consolidar a monarquia absolutista na França, o que implicou em decisões controversas e disputas internas, mas contribuiu para tornar o país uma das maiores potências do mundo nos anos seguintes. Em 1667, aos 28 anos, assombrado pelo trauma da guerra civil e a rebelião dos nobres contra a monarquia, Luís XIV decide fazer a nobreza se submeter a ele. O rei queria um local de onde pudesse administrar e controlar completamente a França, em segurança, portanto obriga toda a corte a deixar Paris e ir viver em Versailles, sob os seus olhos. Por isso o palácio é famoso não só pelo edifício em si, mas como símbolo do absolutismo.

Luís XIV resolveu estabelecer-se no antigo pavilhão de caça de seu pai em Versailles e, ao longo das décadas seguintes, expandiu-o até torná-lo o maior palácio do mundo na época. E o lugar é realmente imenso e ricamente decorado. Coisa de sonho mesmo! Além disso, há os maravilhosos e floridos jardins, fontes e bosques.

Um dos maiores do mundo até hoje, o palácio é composto de três construções principais: o Palais, o Grand Trianon e o Petit Trianon. Ao todo o complexo tem 2.153 janelas, 67 escadas, 352 chaminés, 700 quartos, 1.250 lareiras e 700 hectares de parque. Ele é também um dos pontos turísticos mais visitados de França e recebe em média oito milhões de turistas por ano.

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A vida em Versailles

Por mais luxuoso que fosse o estilo de vida, alguns fatos sobre o dia a dia na corte não são nem um pouco agradáveis. Começando pelo grande número membros da realeza e criados que moravam ali. A família real dificilmente conseguia privacidade para qualquer coisa. Estima-se que durante o reinado de Luís XIV tenham vivido mais de 3 mil pessoas no palácio. Ver um cômodo ou corredor vazio era praticamente impossível! (E não mudou muito não… a diferença é que hoje a multidão de turistas vai embora no fim da tarde!)

O Rei Sol, como ficou conhecido nos livros de história, tinha a fama de ter muitas amantes e de ter engravidado várias delas. Muitos desses descendentes eram legitimados pelo próprio rei, que abrigava os filhos bastardos e suas famílias no palácio. A exceção eram as filhas, que costumavam ser oferecidas em casamento a príncipes estrangeiros, indo morar em outros países. Além dos diversos familiares, muitos membros da aristocracia viviam nas dependências, com seus empregados, porque o monarca queria poder vigiar de perto seus súditos e aliados. Inclusive, os nobres não podiam deixar Versailles sem a permissão expressa do rei!

A rotina, portanto, já começava com a falta de privacidade. Enquanto os criados o ajudavam a se vestir, diversas pessoas esperavam a oportunidade de trocar umas palavrinhas com sua majestade. Todas as suas ações eram acompanhadas pelos súditos – desde ir ao banheiro e lavar-se (sim, tudo sob os atentos olhares de ajudantes e aristocratas). Nem mesmo os partos escapavam do público! O quarto da rainha costumava ficava lotado, pois a nobreza tinha muito interesse em acompanhar o nascimento dos descendentes da coroa.

O Reveillon

Reveiller em francês significa “acordar, despertar” – e o despertar do Rei Sol era um evento que reunia dezenas de pessoas todos os dias. Isso mesmo! O povo se reunia do lado de fora das grandes janelas do quarto do rei só para vê-lo acordar.  O mesmo acontecia com a rainha. Esse ritual deu nome ao nosso famoso “Reveillon” – o despertar de um novo ano.

A sujeira e o perfume

Apesar de ser um dos maiores e mais luxuosos palácios da Europa, Versailles não era muito higiênico, tanto pela dificuldade de se limpar o local inteiro, quanto pelos hábitos dos próprios franceses. Os banhos eram raros, porque o inverno na França é extremamente rigoroso, e o aquecimento do palácio não era lá essas coisas. Além disso, muitas das fontes de água estavam contaminadas por bactérias e não era raro alguém ficar doente logo depois de tomar banho. Por isso, banhar-se era considerado muito perigoso. (Assim, compensavam o mau cheiro com muito perfume!)

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Banheiros então eram mais raros ainda e os nobres faziam suas necessidades em penicos, que depois eram despejados pelas janelas, sem a menor cerimônia! Assim, apesar da deslumbrante vista, com adornos em ouro, sedas e rendas coloridas, o cheiro do local era horrível e os pátios sujos. Imagina só os criados andando para cima e para baixo do enorme palácio com penicos! Entretanto, a falta de um criado não era motivo para que os bacanas passassem apertos, pois eles se “aliviavam” em escadas, vielas, cantos… Até hoje, há poucos banheiros disponíveis em toda a propriedade – quando visitamos percebemos isso. (Eles ficam na ala mais nova do Palais e a fila é enorme! Também tem no Trianon, mas não os achamos. Descobrimos depois que ficam em uma pequena casa que pertencia ao jardineiro do local, fora do palacete.)

Hoje, graças aos céus, é tudo muito limpo e apesar de bem cheio é bastante organizado e pode-se ver tudo, senão com tranquilidade, pelo menos de forma ordenada. Como a grande atração é o Grand Palais, foi lá que encontramos a maior aglomeração. Mas, vale a pena, pois o lugar é realmente magnífico. A gente até esquece a gentarada!

Quando ir?

Se tiver paciência para as filas e não se importar em ter várias caras desconhecidas aparecendo em suas fotos, vá na primavera ou no verão. A vantagem é que verá tudo com muita luz natural, muito brilho e cor. Da primeira vez fomos em abril e estava frio, mas não chovendo, e o sol foi aparecendo aos poucos e nos brindando com um dia lindo. Já da segunda vez fomos em maio e pegamos um dia mais fechado. Certamente quem vai em junho/julho/agosto não tem esse problema, mas, como antigamente, o lugar fica abarrotado de gente! Tente chegar cedo. O local abre às 09:00 da manhã e a visita completa dura pelo menos 5 horas. A entrada custa 27 euros por pessoa com direito ao show musical nos jardins. Dica: depois de visitar o Petit Trianon você poderá comprar um lanche e uma taça de vinho e sentar no bosque para descansar um pouco antes de voltar. Foi o que fizemos!

Nenhuma viagem à França estará completa sem que você veja Versailles com seus próprios olhos! Mas, para conhecer um pouco antes de ir ou mesmo para relembrar, recomendamos os filmes e série abaixo.

Adeus Minha Rainha (2012)

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O filme retrata o dia a dia de Versalhes às vésperas de sua tomada. A atriz francesa Léa Seydoux vive Sidonie Laborde, a leitora oficial de Maria Antonieta (Diane Kruger), retratada como uma mulher às margens dos debates políticos. Isolados do dia a dia movimentado de Paris, os funcionários do palácio vagam pelos corredores para servir seus mestres. Eles não sabem o que acontece na capital, mas estão atentos às conversas e ficam sabendo da Queda da Bastilha (em julho de 1789). O filme mostra os lindos portões dourados do Palácio principal, além dos jardins e passeios de gôndola pelo lago, mas foca bastante no Grand Trianon – o palacete de Maria Antonieta. Mostra também os corredores escuros, os cômodos dos empregados e as cozinhas. Além de que realmente havia mosquitos, pulgas e ratos pelo palácio e que as pessoas usavam perfume em vez de lavar-se pela manhã. Quem já visitou irá se lembrar de que realmente há poucos banheiros disponíveis em toda a propriedade. Acho que esse é o primeiro filme que retrata o “outro lado” de Versailles.

Versailles – Série (2015)

A história se passa durante a construção do Palácio de Versailles no reinado de Luís XIV no século XVII. Aos 28 anos, assombrado pelo trauma da guerra civil e a rebelião dos nobres da corte contra a monarquia, o rei Luís XIV da França e Navarra, decide fazer a nobreza se submeter a ele impondo uma mudança definitiva da corte de Paris para a antiga propriedade de caça de seu pai. Atraídos pelo “convite” do rei, os nobres se mudam para lá, mas aos poucos começam a ver o castelo como uma prisão dourada. Com o tempo até os mais humildes cortesãos do rei começam a mostrar sua crueldade, na medida em que as intrigas e segredos, manobras políticas e guerras se desenrolam e revelam Versalhes em toda a sua glória e brutalidade. O próprio Palácio foi a locação para as gravações. São três temporadas.

Um Pouco de Caos (2015)

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O famoso arquiteto André Le Nôtre (Matthias Schoenaerts) é escolhido pelo Rei Luís XIV (Alan Rickman – que também dirigiu o filme) para projetar os jardins do Palácio de Versalhes. Ao mesmo tempo, Sabine De Barra (Kate Winslet) é contratada para auxiliá-lo, mesmo tendo um estilo mais arrojado e oposto ao seu. Com o tempo as diferenças desaparecem e a relação, que era profissional, começa a ficar mais íntima, chegando ao conhecimento da mulher do arquiteto. As intrigas, inveja e traições dão o tom e ninguém pode confiar em ninguém. A trama é muito bem amarrada e transcorre quase que inteiramente em Versailles – um cenário enorme, mas claustrofóbico. O filme mostra processo de sua construção dos magníficos jardins. Entretanto, mais que um filme sobre jardinagem, trata-se de uma linda história sobre as emoções humanas – amor, ódio, alegria e tristeza – e os jardins são o local que une os personagens. Diferente de Adeus Minha Rainha, os empregados do palácio, servos dos nobres e trabalhadores são mostrados de forma secundária. Sabemos que, historicamente, o povo francês sofreu com a extrema pobreza para que Luis XIV pagasse por seus jardins em Versailles, mas no filme, assim como a corte do século XVII, somos protegidos desse sofrimento.

Marie Antoinette (2006)

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Há vários filmes que contam a história de Maria Antonieta, a rainha decapitada pela revolução francesa, mas é “Marie Antoinette”, dirigido por Sofia Coppola, que realmente foca nos detalhes da vida da última rainha da França. Maria Antonieta ficou conhecida por suas extravagantes festas em Versalhes, onde vivia cercada de luxo e realizava seus caprichos, enquanto seu marido cumpria com os deveres da monarquia. Segundo alguns historiadores, um dos motivos que levaram ao início da revolução francesa é justamente o fato de ela promover essas grandes festas, bailes e jogatinas para a nobreza, enquanto o povo sofria a pobreza, a doença e a fome. No filme, a princesa austríaca Maria Antonieta (Kirsten Dunst) é enviada ainda adolescente à França para se casar com o príncipe Luis XVI, como parte de um acordo entre os países. Na corte ela é envolvida em rígidas regras de etiqueta, ferrenhas disputas familiares e fofocas, um mundo em que nunca se sentiu confortável. Praticamente exilada, decide criar um universo à parte em Versailles, onde pode se divertir e aproveitar sua juventude. Enquanto isso, fora das paredes do palácio, a revolução está prestes a explodir.

Publicado por Adelijasluk

Adeli é formada em Letras e pós graduada em Recursos Humanos, fala quatro línguas e adora conhecer outras culturas. Curiosa e teimosa, nas horas vagas planeja itinerários próprios para as viagens anuais com o marido. Edevaldo é funcionário público e cursou geografia e informática. Paciente, nas horas vagas estuda maneiras sensatas de viabilizar os itinerários da esposa. Viajam por conta própria e juntos já conheceram 208 cidades em 33 países.

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