Ao nos prepararmos para voltar a Portugal, em meio à reservas, passagens e roteiros, bate sempre uma nostalgia e, enquanto o dia da viagem não chega, nada melhor que uma sessão de cinema pra matar as saudades, não é mesmo? Mesmo que seja um “vale a pena ver de novo”! Então aí vão as dicas para quem quer conhecer um pouco antes de ir, ou para quem, como nós, já conhece e ama de todo o coração:
O Céu de Lisboa (1994)
A cidade: Lisboa. O problema: um filme mudo abandonado por seu diretor. A solução: um sonoplasta alemão, Phillip Winter (Rüdiger Vogler), é chamado para ajudar. Sua missão: gravar os sons faltantes e salvar o filme. Seu maior problema: uma perna quebrada. Ainda pior: o diretor desapareceu! O personagem se mostra um tipo meio cômico que acaba se encantando com a cidade, seus moradores e seus sons, mas as coisas não acontecem exatamente como ele esperava. Eis que Phillip se apaixona por uma cantora (Teresa Salgueiro) e temos o prazer indescritível de ver o filme todo com a trilha do grupo Madredeus. “O Belo fala por si mesmo. Ao dar-mo-nos conta, já estamos algo (ou totalmente) anestesiados ante ele. Não é necessário ser músico para viver beleza nesta música assim como para vê-la na imagem de Teresa cantando. Por que é assim? De onde vem nossa suscetibilidade ao que chamamos Belo? Nessa experiência não existe racionalização, ela É.”
Lisbon Story (O céu de Lisboa) é simplesmente uma obra prima do alemão Win Wenders, o mesmo cineasta de Buena Vista Social Club e do clássico do cinema cult, Tão Longe, Tão Perto. A sobreposição de imagens em branco e preto e em cores e as locações nos prédios decadentes da Alfama trazem bem o clima da Lisboa antiga. Vai lembrar do filme ao andar pela Alfama, pela Mouraria e pelo Bairro Alto. Veja o trailer aqui.
“E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim…
Sou nada…
Sou uma ficção…
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?”
Capitães de Abril (2000)
Capitães de Abril, de Maria de Medeiros, conta a história da Revolução dos Cravos, que derrubou Salazar e pôs fim a 41 anos de ditadura em Portugal. Um filme primoroso! Uma canção serve de senha para o início da Revolução. Em uma noite de abril do ano de 1974, militares se unem a civis para colocarem abaixo o regime fascista. Focando na trajetória de dois jovens militares idealistas, o filme emociona muito. Na trilha, a canção que virou o hino da revolução e uma das mais famosas de todo o país: Grândola, Vila Morena, de Zeca Afonso, além da linda As Brumas do Futuro, do Madredeus. Vai lembrar do filme andando por Lisboa, pela Baixa Pombalina, passando pelo Terreiro do Paço e também se visitar a casa de Zeca Afonso em Coimbra. Veja o trailer.
“Manhã de abril e um gesto puro coincidiu com a multidão que tudo esperava… e descobriu que a razão de um povo inteiro leva tempo a construir” (As Brumas do Futuro – Madredeus)
Os Maias (2014)
Ler o Eça de Queiroz é sensacional, mas ouvir o sotaque português também é! Por isso indicamos esse filme falado em português lusitano (em vez da minissérie brasileira de 2001). Além de fidelíssimo ao livro, tem atores ótimos. Embora não tenha a fotografia tão linda quanto a nossa minissérie e tampouco a maravilhosa trilha de Madredeus, com pérolas como O Pastor, vale muito a pena! Carlos da Maia é o último herdeiro de uma tradicional família portuguesa. Formado em medicina na Universidade de Coimbra e posteriormente educado em uma longa viagem pela Europa, ele regressa a Lisboa em 1875. Carlos sempre preferiu passar seu tempo com amantes e com o colega João da Ega e seus amigos, mas isso muda quando finalmente se apaixona. A história pessoal de Carlos se mistura à de Portugal, ambas banhadas em doses generosas de tragédia e comédia. Vai lembrar dela quando visitar Lisboa e também Sintra – especialmente o restaurante Lawrence e o Palácio de Seteais. Veja o trailer.
“A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da Sr.ª D. Maria I “
E para quem quiser conferir, a minisérie da Globo está disponível em DVD, mas nada se compara ao livro! (Devorei ambos.)
“Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilos, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima… “ (Eça de Queiroz – Os Maias)
Trem Noturno para Lisboa (2013)
Adaptação do romance de mesmo nome, de Pascal Mercier, embora não seja português, o filme conta uma linda história portuguesa. Ditadura de Salazar, repressão, resistência, amor, amizade e traição nas ruas de Lisboa. Raimund Gregorius (Jeremy Irons), um professor suíço, salva uma mulher que se preparava para pular de uma ponte em Berna. Repentinamente, a mulher desaparece, deixando seu casaco para trás. No bolso da roupa esquecida, ele encontra um livro de um autor português, Amadeu do Prado, e um bilhete de trem para Lisboa com data daquele mesmo dia. Raimund resolve então sair de sua rotina e embarca em uma emocionante aventura, que o levará a uma jornada interior.
Vai lembrar do filme quando passear pelo Rossio, Bairro Alto, Poço do Bispo, pela Bica e pela Glória, em Lisboa. Veja o trailer. (Está no catálogo da Netflix.) Também li o livro e recomendo muito!
“Deixamos algo de nós mesmos para trás quando deixamos um lugar, nós ficamos lá, mesmo quando vamos embora. E há coisas em nós que só podemos encontrar de novo voltando a ele. Viajamos para dentro de nós mesmos quando vamos a um lugar”
O Mistério da Estrada de Sintra (2007)
O Mistério da Estrada de Sintra é o primeiro romance policial da literatura portuguesa. Foi escrito por Eça de Queiroz e seu amigo Ramalho Ortigão e publicado no Diário de Notícias de Lisboa, sob a forma de cartas anônimas, entre 24 de Julho e 27 de Setembro de 1870. Com a intenção de assustar a sociedade lisboeta, Eça e Ramalho decidiram fazer algo inédito: escrever uma obra de ficção e fazer todos acreditarem que a história dos assassinatos na estrada de Sintra era real. Combinavam os dois, na véspera, o desenrolar da trama e enviavam as cartas para o diretor do jornal, que as publicava diariamente, como uma reportagem verídica. Foi impresso como livro somente em 1884, marcando a estreia literária de Eça de Queiroz. O livro foi adaptado para o cinema em 2007. Os crimes sucedem-se em meio a uma história de amor proibido, intrigas e crítica à sociedade portuguesa. Vai lembrar dela ao visitar Sintra e a Serra da Estrela. Veja o trailer.
Curiosidade: a Livraria Lello, no Porto, foi a primeira editar um livro de Eça de Queiroz! Seu fundador, o francês radicado no Porto, Ernest Chandron, recebeu de José Maria Teixeira de Queiroz os manuscritos do filho, Eça, que viria a se tornar um dos maiores ícones da literatura portuguesa. Fomos lá conferir! Leia aqui
E para quem quer arriscar algo bem diferente…
A Floresta das Almas Perdidas (2017)
No interior de Portugal, em uma remota floresta conhecida por ser a favorita dos suicidas, duas pessoas se encontram. Ricardo (Jorge Mota) é um pai de família que recentemente perdeu uma filha e Carolina (Daniela Love) é uma jovem que tem gostos sombrios e peculiares, achando divertidas as questões que envolvem a morte. A fotografia em preto e branco contribui para tensão e evolui para um tom cinzento – o cinza da desolação das almas, da vida sem preenchimento de alegria, da solidão. É nesse cinza que se desenrola A Floresta das Almas Perdidas, o novo filme do diretor português José Pedro Lopes. Uma obra bastante original, veja o trailer aqui.
“Esse mundo é uma ilusão – a única coisa verdadeira é a memória” (Manoel de Oliveira – cineasta português)
Veja também:
Vitória, Sé do Porto e Arredores